trombose

Como evitar trombose na infecção pelo coronavirus?

Estamos vivenciando uma pandemia causada pelo coronavirus (covid -19), um vírus com trofismo (afinidade) pelas vias aéreas superiores e inferiores que pode causar uma forma grave da doença chamada síndrome respiratória aguda grave (SRAG). A transmissão se dá pelo contato ou gotículas de saliva. A maioria dos quadros dessa doença são autolimitados e não necessitam de internação sendo que até 50% dos indivíduos infectados podem estar assintomáticos. Dos pacientes sintomáticos, em média apenas 1 em cada 10 necessitam de internação hospitalar, e alguns desses necessitam de internação em unidades de terapia intensiva em detrimento ao quadro mais grave.

Os fatores de risco que predispõem o indivíduo a evoluir com as formas mais graves da doença são as doenças cardiovasculares, hipertensão arterial sistêmica, diabetes, doenças pulmonares crônicas como enfisema, asma, bronquite, idade acima de 60 anos e obesidade.

Por ser uma doença nova fator limitante para seu manuseio é a escassez de informação. Para desenvolvimento de tratamentos eficazes são necessários estudos bem conduzidos, randomizados, duplo cego, placebo controlado, com um número elevado de pacientes. Isso demanda tempo. Em virtude de gravidade da situação acabamos lançando mão de terapias baseadas no conhecimento prévio de outras enfermidades, nem sempre pautadas em conhecimento sólido, o que leva a muitas condutas divergentes, algumas vezes com efeitos colaterais importantes.

Com o tempo, e surgimento de estudos mais sólidos, começamos a ver uma luz no fim do túnel. Algumas medicações comprovadamente começam a impactar de forma positiva os tratamentos, a exemplo a dexametasona, indicada para os pacientes com quadros respiratórios que demandam internação hospitalar, geralmente por volta do sétimo a décimo dia do início dos sintomas. Outras medicações como a cloroquina ou hidroxicloroquina são abandonadas pela falta de benefício e principalmente pelos efeitos colaterais.

De forma análoga surge uma nova preocupação: a nítida associação entre a infecção pelo coronavirus e o aumento de tromboses arteriais e venosas. Nesse aspecto o cirurgião vascular desempenha uma importante função no esclarecimento da população, na estratificação de risco entre os diferentes aspectos e gravidade da doença, definindo os tipos de cuidado, estipulando os tipos de tratamento que devem ser individualizados.

O que motivou a escrita desse artigo, além do desejo de contribuir para aqueles que buscam mais informação, foi o crescente número de pacientes, familiares, colegas médicos e não médicos, outros profissionais da área da saúde, vizinhos etc… com infecção pelo coronavirus com medo de trombose e questionando sobre a necessidade do uso de anticoagulantes em caso de infecção pelo covid -19.

Então vamos lá…

Foi Rudolf Ludwig Karl Virchow médico e político alemão, pai da patologia moderna e da medicina social, além de antropólogo e político liberal quem elucidou o mecanismo do tromboembolismo, cujos fatores são conhecidos até hoje como tríade de Virchow.

Essa tríade é composta por:

  1. Alteração do fluxo sanguíneo (estase).
  2. Lesão endotelial (camada mais interna da parede do vaso sanguíneo em contato com o sangue).
  3. Hipercoagulabilidade sanguínea (algum fator que aumenta a chance de o sangue coagular).

Estudos atuais sugerem vários mecanismos que podem estar associados à trombose na infecção por coronavirus. Em síntese temos um sinergismo entre inflamação e coagulação, isto é: a inflamação aumenta a probabilidade de coagulação e o aumento da coagulação promove mais inflamação desencadeando uma verdadeira reação em cadeia. Os pacientes que desenvolvem as formas mais graves da doença e necessitam de hospitalização são justamente aqueles com mais inflamação, logo com maior estímulo à coagulação e trombose. Geralmente são aqueles com maiores comorbidades (fatores que relacionam-se a hipercoagulabilidade) e geralmente possuem restrição de mobilidade aumentando a estase sanguínea.

Pacientes com as formas leves que não necessitam de hospitalização, isto é, que têm menos inflamação também são menos susceptíveis à trombose.

Portanto o tratamento profilático para trombose em pacientes com coronavirus tem que ser estratificado de acordo com as condições especificas de cada indivíduo. Há vários consensos de instituições e países diferentes que levam em consideração principalmente os fatores populacionais para definição de regimes mais ou menor rigorosos. Por exemplo, a faixa etária dos pacientes em países da Europa é maior, logo as comorbidades são mais prevalentes, nos Estados Unidos há uma grande parcela de obesos, etc…

Em relação ao tipo de anticoagulante, aquele que de fato demonstra efeito mais protetor são as heparinas não fracionadas ou de alto peso molecular e fracionadas ou de baixo peso molecular, sendo a mais popularmente utilizada em função da praticidade a enoxaparina. Esse efeito está relacionado a duas propriedades desse fármaco: anticoagulação e efeito anti inflamatório, isto é, pilares no combate à trombose.

A partir da análise de vários estudos de inúmeras sociedades nacionais e internacionais, na escassez de estudos de grande impacto faço as seguintes recomendações:

Pacientes infectados com as formas leves (sem necessidade de internação) e sem *fatores pró trombóticos (de risco para ter trombose):

  • Manter hábitos saudáveis, adequada alimentação, evitar sedentarismo, evitar consumo abusivo de bebidas alcoólicas e tabagismo.
  • Sem necessidade de anticoagulação profilática

Pacientes infectados com as formas leves (sem necessidade de internação) e com *fatores pró trombóticos (de risco para ter trombose):

  • Manter hábitos saudáveis, adequada alimentação, evitar sedentarismo, evitar consumo abusivo de bebidas alcoólicas e tabagismo.
  • Anticoagulação profilática com enoxaparina 40 mg 01x ao dia por 14 dias.

Pacientes infectados com as formas graves (com necessidade de internação) e sem *fatores pró trombóticos (de risco para ter trombose):

  • Anticoagulação profilática com enoxaparina 40 mg 01x ao dia durante a internação, manter por 14 dias após alta hospitalar.

Pacientes infectados com as formas graves (com necessidade de internação) e com *fatores pró trombóticos (de risco para ter trombose):

  • Anticoagulação profilática com enoxaparina 1mg/kg de peso 01x ao dia durante a internação, manter por 45 dias após alta hospitalar (regime denominado anticoagulação estendida).

Pacientes com trombose documentada:

  • Anticoagulação plena no mínimo por 6 meses. O tempo de anticoagulação além desse período deve ser determinado pelo médico do paciente.

*Fatores pró trombóticos: trombose prévia, antecedente de embolia pulmonar, doenças reumatológicas em atividade, anticorpos antifosfolipídios, trombofilias, neoplasia, pacientes acamados, fraturas, imobilização prolongada, gestação e puerpério, cirurgias recentes.

Espero que essa leitura tenha sido útil para esclarecer quaisquer dúvidas em relação ao risco de trombose em pacientes com infecção pelo coronavirus e das medidas necessárias para a sua prevenção. Esse texto tem como alvo qualquer pessoa com interesse nesse assunto seja da área da saúde ou não. Um abraço a todos, estamos atentos a novas publicações para mantê-los sempre bem informados, aguardando ansiosamente o fim dessa pandemia.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *